sexta-feira, 28 de maio de 2010


Storia di alcuni minuti 5
"Desordem (Molto vivace, Vigoroso, Molto ritmico)"
Idil Biret: György Ligeti, Estudos, Livro 1 (Composição: 1985)


Nascido em 1923, György Ligeti apenas entrou em real contacto com a vanguarda musical europeia em 1956, quando, foragido de uma Hungria ocupada pelo exército soviético, se refugiou em Viena.
Até aí o único contacto que tinha com aquilo que ia sendo musicalmente conquistado além fronteiras, recebia-o a partir de um pequeno transístor que ouvia clandestinamente; agora, porém, frequentava o estúdio electrónico da Westdeuscher Rundfunk, onde também se encontravam Pierre Boulez, Luciano Berio, Mauricio Kagel e Karlheinz Stockhausen.
Aí, influenciado pelos seus colegas, mas sobretudo incentivado pela disponibilidade de meios, Ligeti desenvolveria o seu estilo híbrido no qual sons harmónicos, pentatonismo, heptatonismo e outros acordes temperados e não temperados são fundidos de forma a criarem uma linguagem musical que não obedece a um princípio geral, e onde existe espaço, até, para influências vindas do jazz e da música sul-americana.
Essa permeabilidade está, por exemplo, bem patente nos seus dois livros de estudos para piano. Escritos originalmente para piano mecânico, abrem espaço a uma reflexão sobre a música na qual o compositor não deve temer desrespeitar as suas próprias regras. Nas palavras de Ligeti: «A música não deve ter uma coerência absoluta. Mesmo uma fuga de Bach é uma construção cuja lógica é apenas aparente.»
Num dos meus estudos favoritos, “Desordem”, essas regras são engenhosamente postas em causa, à medida que a construção da massa sonora se vai fazendo com o executante a dar a impressão de que está a tocar linhas melódicas a mais de duas velocidades distintas, o que, na prática, faz deste um exercício onde dificilmente encontraremos uma estrutura identificável.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Manuel Göttsching, E2-E4LCD Soundsystem, 45:33
Antes e depois:
- Manuel Göttsching, E2-E4 (Inteam, 1984);
- LCD Soundsystem, 45:33 (DFA Records, 2007).

sábado, 8 de maio de 2010

Atravessar a pradaria e descer o rio, escalar a montanha, sentir as pedras ásperas e escaldadas nas mãos feridas, do cume olhar para o vale, para os pastores e os rebanhos e as tendas dos nómadas, os cento e cinquenta cavalos, os bancos de areia branca, em torno de Damavand flutuam nuvens leves (ou fumo), o sono e o calor dos sonhos, e ao fim do dia correr o rio a vau e lançar as canas de pesca. Era isto, a vida!
O que foi que mudou desde então? Erguemos devagar a mão a cerramos o punho. Impossível cerrar o punho. O gesto é fraco, choco, e nas costas, nos joelhos, na nuca sentimos já a terrível prostração da acédia, uma doença pior que a malária. As mãos estão húmidas, falar é um esforço desmedido. Levanta-te e caminha! O coração bate depressa, e seguimos pela margem do rio mais depressa ainda, para não cedermos à tentação de nos atirarmos ao chão e chorarmos de cansaço e desespero. Ah, aqui não se chora. É pior, muito pior. Aqui estamos sós.

Annemarie Schwarzenbach, Morte na Pérsia (Tinta-da-china, 2008)