Uma
noite, no sétimo ano do nosso casamento, Edith cobriu-se de um creme gorduroso
vermelho escuro que comprara numa casa de cosméticos para o teatro. Vinha numa
bisnaga. Às vinte para as onze, regresso da biblioteca e lá estava ela, em
pelota no meio do quarto, uma surpresa erótica para o velho. Estendeu-me a
bisnaga, dizendo: Vamos ser outras pessoas, querendo dizer, suponho eu, novas
maneiras de beijar, morder, chupar, roçar-se. É uma estupidez, disse ela, com
um requebro de voz, mas vamos ser outras pessoas. Por que havia eu de desprezar
a sua intenção? Talvez ela quisesse dizer: embarca comigo numa nova viagem, uma
viagem que só os estranhos podem fazer, e que poderemos recordar quando
voltarmos a ser nós próprios, e por isso nunca mais seremos apenas nós
próprios. […] Devia ter embarcado com Edith. Devia ter despido as minhas
roupas, envergando o disfarce gorduroso. Por que será que só agora, após tantos
anos, me incha o caralho com a imagem na cabeça dela ali de pé, pintada de uma
maneira tão bizarra, os seus peitos escuros como beringelas, a cara parecida
com a do Al Jolson. Porque aflui agora o sangue sem remédio? Desdenhei a
bisnaga. Vai tomar banho, disse-lhe. Fiquei a ouvir a água a correr, ansioso
pela nossa ceia da meia-noite. O meu pequeno triunfo dera-me fome.
Leonard
Cohen, Belos vencidos (Relógio
D’Água, 1997)