Algumas
pessoas lamentam que as crianças venham ao mundo sem manual de instruções ou
que não se peçam estudos e uma licenciatura para sermos pais. Subjaz a estas
frases pretensamente graciosas a perigosa convicção de que não se pode criar
adequadamente uma criança sem seguir os conselhos de um especialista de serviço.
Na realidade, em geral os pais até desempenham bastante bem essa função, como o
têm feito durante milhões de anos. A maioria dos erros que cometem não foram
eles que os inventaram, mas especialistas antes deles. Foram médicos que
recomendaram, há um século, dar de mamar durante dez minutos de quatro em quatro
horas, o que levou ao fracasso quase total da amamentação. Foram os
farmacêuticos que, há apenas sessenta anos, vendiam «pós para a dentição» à
base de mercúrio, extremamente tóxicos, que se deviam ministrar aos bebés para
os fazer babar, pois a «baba retida» causava doenças graves. Foram médicos e
educadores que, há dois séculos, advertiram que a masturbação «secava o
cérebro» e inventaram castigos terríveis e complexos aparelhos para impedir as
crianças de se tocarem. Foram especialistas aqueles que há cinco séculos recomendavam
que se envolvessem as crianças como múmias para que não pudessem gatinhar,
porque deviam andar como as pessoas e não arrastar-se pelo chão como animais. É
possível que todos os erros que cometemos ao educar os nossos filhos sejam o sedimento
de séculos de conselhos errados de psicólogos, médicos, padres e feiticeiros.
Menos mal que as crianças não tragam instruções, menos mal que não exista um
curso para formar pais!
Carlos
Gonzáles, Bésame mucho (Tradução de Isabel Haber)