sábado, 8 de maio de 2010

Atravessar a pradaria e descer o rio, escalar a montanha, sentir as pedras ásperas e escaldadas nas mãos feridas, do cume olhar para o vale, para os pastores e os rebanhos e as tendas dos nómadas, os cento e cinquenta cavalos, os bancos de areia branca, em torno de Damavand flutuam nuvens leves (ou fumo), o sono e o calor dos sonhos, e ao fim do dia correr o rio a vau e lançar as canas de pesca. Era isto, a vida!
O que foi que mudou desde então? Erguemos devagar a mão a cerramos o punho. Impossível cerrar o punho. O gesto é fraco, choco, e nas costas, nos joelhos, na nuca sentimos já a terrível prostração da acédia, uma doença pior que a malária. As mãos estão húmidas, falar é um esforço desmedido. Levanta-te e caminha! O coração bate depressa, e seguimos pela margem do rio mais depressa ainda, para não cedermos à tentação de nos atirarmos ao chão e chorarmos de cansaço e desespero. Ah, aqui não se chora. É pior, muito pior. Aqui estamos sós.

Annemarie Schwarzenbach, Morte na Pérsia (Tinta-da-china, 2008)