sábado, 20 de setembro de 2008

Um Verão tardio

Um Verão tardio

Pus a cama perto da piscina, e fiquei a tomar banho até tarde. Impossível dormir. Dois a três minutos cá fora bastavam para transformar em suor a água que me devia proteger do calor imenso. (1) A garrafa de whisky – a segunda da tarde – era agora constantemente solicitada por todos os presentes (…). Apetecia-me sair e caminhar para leste, na direcção do parque, à luz suave do crepúsculo (…) O céu de verão já escurecera os telhados dos restaurantes à beira da estrada e a frontaria das garagens, diante das quais as bombas de gasolina vermelhas, novinhas em folha, sobressaíam no meio de charcos de luz. (2)
As saudades do melhor dos tempos de rapaz (…) que cavalgava as ondas lá desde o ponto em que começavam a formar-se, as cavalgava com os braços esticados como a ponta de uma flecha e o resto do corpo magro atrás como a haste da flecha, as cavalgava até ir roçar com as costelas pelos minúsculos seixos pontiagudos, bivalves enterrados e conchas pulverizadas que se acumulavam na orla da praia, para rapidamente se pôr em pé e voltar para trás, avançando a pé pelo mar até ter água pelos joelhos, o suficiente para mergulhar e nadar freneticamente ao encontro das ondas em formação, ao encontro do Atlântico verde e impante, que rolava imparavelmente na sua direcção como o facto obstinado do futuro – e, se tivesse sorte, chegar lá a tempo de apanhar a próxima onda grande e depois a seguinte e a seguinte e a seguinte até que pela inclinação da luz do Sol que brilhava na água sabia que estava na hora de voltar para casa. Corria para casa descalço, com os pés molhados e salgados, a lembrar-lhe da impetuosidade daquele mar imenso pela água que lhe enchia os dois ouvidos e a lamber o antebraço para sentir o sabor da pele molhada pelo oceano e tostada pelo sol. (3)

1. Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel
2. F. Scott Fitzgerald, O grande Gatsby
3. Philip Roth, Todo-o-Mundo